
Sobre a Encefalite Autoimune
O que é uma encefalite autoimune?
Encefalite significa inflamação do tecido cerebral. A encefalite pode ter várias causas entre infeciosa, inflamatória (na presença ou não de outras doenças autoimunes como o Lúpus), e em associação a tumores noutros órgãos.
A encefalite autoimune acontece quando os mecanismos de defesa do nosso organismo (o sistema imune) reagem contra órgãos saudáveis do nosso corpo, neste caso o cérebro, causando-lhe lesões.

Qual é a Causa?
A encefalite autoimune decorre da reação do sistema imune contra proteínas que fazem parte da superfície ou do interior dos neurónios. Esse ataque do sistema imune é maioritariamente feito através de autoanticorpos ou células T auto-reactivas.
Os anticorpos e as células T são constituintes do sistema imune que nestas situações de doença atacam as células saudáveis do doente, em vez de dirigirem a sua ação habitual contra vírus e bactérias. Às proteínas do nosso cérebro que estão a ser alvo de ataque chamamos antigénios.
Na maioria dos doentes não se sabes o que causa esta reação anómala do sistema imune, mas em alguns casos parece associar-se à presença de um tumor noutros órgãos do corpo (encefalites paraneoplásicas), a uma infecção prévia ou, muito raramente, a alguns fármacos que têm efeito no sistema imune.

Quais os tipos de encefalites autoimunes?
Existem várias encefalites de causa autoimune. Distinguimos dois tipos principais:
- as encefalites autoimunes causadas por anticorpos contra antigénios membranares (ex. CASPR2, LGI1, NMDAr, GAD65, entre outros)
- as encefalites paraneoplásicas clássicas que são associadas a anticorpos contra antigénios intracelulares (ex. anti-Hu, -CV2/CRMP5, -Ma2, -anfifisina).
No entanto, em algumas encefalites autoimunes, não é possível identificar o anticorpo envolvido. Estas são denominadas de encefalites aiutoimunes seronegativas.

Em quem ocorre?
A encefalite autoimune pode afetar pessoas de todas as idades, desde crianças até idosos. Resulta da conjugação de alguma suscetibilidade genética (não sendo uma doença hereditária) e fatores ambientais (podendo ser despoletada por algumas infeções). Como referido, pode surgir em doentes com tumores noutros órgãos ou outras doenças autoimunes.

Quais são os sintomas?
Doentes com encefalites autoimunes podem apresentar-se com diversos sintomas neurológicos e psiquiátricos. Geralmente apresenta-se como um quadro progressivo ao longo de dias ou semanas, mas pode ser flutuante.
Alguns sintomas de encefalite autoimune incluem:
- Perda de memória a curto prazo, alteração do estado mental ou outros défices cognitivos;
- Sintomas psiquiátricos como psicose, alteração do comportamento, agressão, euforia, ataques de pânico;
- Défices focais do sistema nervoso central como falta de força e alterações da fala;
- Crises epiléticas;
- Outros sintomas neurológicos: movimentos anormais, problemas com o equilíbrio e visão.

Como se faz o diagnóstico?
O diagnóstico de encefalite autoimune implica a apresentação com sintomas típicos e integração dos exames complementares de diagnóstico, a par da exclusão de diagnósticos alternativos.
Exames complementares
No contexto clínico apropriado, o neurologista poderá pedir esses exames complementares de diagnóstico:
Punção lombar para análise de líquido cefalorraquidiano (LCR)
A elevação dos glóbulos brancos ou a presença de outros marcadores de ativação do sistema imune suporta a existência de inflamação do Sistema Nervoso Central.
Imagem cerebral – Ressonância Magnética Nuclear (RMN)
Podem existir sinais típicos de inflamação no Sistema Nervoso Central, nomeadamente ao nível dos lobos temporais.
Eletroencefalograma (EEG)
Pode mostrar alterações da atividade elétrica cerebral.
Análises sanguíneas
Análises para exclusão de causas secundárias e sinais de comprometimento de outros órgãos (por infecção, doença autoimune, neoplasia).
Pesquisa dos anticorpos contra os antigénios membranares
e intra-celulares
e intra-celulares
No sangue e/ou LCR. Teste confirmatório do diagnóstico e tipo de encefalite.
Tomografia axial computorizada (TAC) ou Tomografia computadorizada por PET (PET-TC) de corpo inteiro
Para despiste de tumores dos outros órgãos.
Avaliação neuropsicológica
Testes que avaliam memória e outras funções cognitivas.

Como se trata?
O tratamento da encefalite autoimune faz-se com imunossupressores (medicamentos que inibem o sistema imunitário). Para suprimir a inflamação na fase aguda da doença usam-se os corticosteróides em alta dose, imunoglobulinas (um componente sanguíneo dado por via endovenosa) ou plasmaferese (retirada e substituição do plasma do doente, onde circulam os anticorpos).
Em alguns tipos de encefalite autoimune, a imunossupressão poderá ter de ser mantida por períodos mais longos, incluindo cronicamente, usando-se neste contexto fármacos poupadores de corticoides como azatioprina, ciclofosfamida ou rituximab. O seu uso prolongado em altas doses pode provocar diversos efeitos secundários, alguns potencialmente graves. Por exemplo, os doentes tratados por longos períodos com corticóides devem ter atenção ao cálcio e à vitamina D e ter cuidado com o peso. No entanto, o seu médico está atento à sua monitorização e os benefícios do uso destes fármacos no controlo da encefalite autoimune são indiscutíveis e sobrepõem-se a maioria das vezes a estes efeitos indesejáveis. Caso surjam efeitos secundários, o doente deverá contactar o seu médico assistente de imediato, mas não deve interromper subitamente o tratamento. A paragem súbita de alguns fármacos, por exemplo corticosteróides em alta dose, pode colocar a vida em perigo.
Além do tratamento farmacológico, é importante realizar reabilitação para enfrentar as dificuldades associadas aos sintomas: terapia ocupacional e atividades de estimulação do cérebro, fisioterapia e terapia da fala, conforme os casos.

Qual a vigilância necessária?
A encefalite autoimune implica seguimento regular em consulta e realização periódica de análises para vigilância de complicações da medicação.
Alguns tipos de encefalite tendem a ocorrer só uma vez, mas outros têm maior probabilidade de recorrência. O doente deve estar atento ao seu estado de saúde e o seu médico assistente deve ser sempre informado se os sintomas da doença voltarem ou caso surjam sintomas novos, pois geralmente indica que é necessário ajustar o plano e o tratamento.
A possibilidade de recorrência é maior se o doente não cumprir um tratamento adequado. O papel do doente passa por cumprir os tratamentos (não interromper ou parar sem indicação médica) e só realizar alterações (doses, horários ou fármacos) se prescritas pelo médico. O neurologista adequa o tratamento e seguimento ao tipo de encefalite.

Quais são as consequências?
O tratamento precoce diminui a probabilidade de sequelas a longo prazo, acelera a recuperação e reduz o risco de recorrência. Se não tratada, a encefalite autoimune pode evoluir com deterioração neurológica progressiva. As lesões já instaladas aquando da apresentação da doença podem resultar em algumas sequelas como defeito cognitivo, epilepsia, dificuldades na fala ou défices sensitivo-motores, e condicionar algum grau de dependência nas atividades de vida diária.

A quem deve recorrer?
A encefalite autoimune é uma doença primariamente neurológica, sendo por isso o seu seguimento responsabilidade de um médico neurologista. Em caso de coexistência de outras doenças autoimunes, é importante a colaboração multidisciplinar com médicos de outras especialidades dedicados a este tipo de doenças. No caso da encefalite estar associada a um tumor, é fundamental a articulação com a Oncologia.